Livros de Teologia


quinta-feira, 4 de agosto de 2016

O perigo da justiça própria

"E sucedeu que, estando ele em casa, à mesa, muitos publicanos e pecadores vieram e tomaram lugares com Jesus e seus discípulos. Ora, vendo isto, os fariseus perguntavam aos discípulos: Por que come o vosso Mestre com os publicanos e pecadores? Mas Jesus, ouvindo, disse: Os sãos não precisam de médico, e sim os doentes. Ide, porém, e aprendei o que significa: Misericórdia quero e não holocaustos; pois não vim chamar justos, e sim pecadores ao arrependimento" (Mt 9.10-13).

No tempo de Jesus o judaísmo era uma religião que abrigava várias correntes teológicas e várias "denominações" distintas. Dentre elas haviam os fariseus, possivelmente o grupo mais influente e com maior número de integrantes no sinédrio (cúpula sócio-religiosa dos judeus naquela época). A palavra fariseu significa, literalmente, "separado", e pretendia significar que eram separados da impureza do pecado e dos pecadores. Já o grupo dos publicanos era mais um grupo sócio-político do que religioso, pois eram pessoas instituídas pelos governadores romanos com a função de cobrarem os impostos que financiavam o império romano. Por isso, os publicanos eram vistos pelos demais judeus como traidores e impuros, pois representavam o império gentio que os dominava. Desse modo, os fariseus questionavam como poderia um Rabi (mestre) associar-se com os publicanos, principalmente comendo juntos.
O questionamento dos fariseus acaba por mostrar sua visão sobre a relação de um mestre com os pecadores. Para eles, ao comer com pecadores, Jesus se tornaria um deles ou, no mínimo, estaria demonstrando algum tipo de aprovação ao seu modo de vida, e ainda corria o risco de ser influenciado pelos pecadores, o que era inadmissível. Muitos dos fariseus, sendo também mestres da Lei, talvez temessem ficar constrangidos a ter que lidar também com os pecadores se Jesus fosse bem sucedido na missão, e isso os incomodava profundamente. É muito mais cômodo lidar com os que já desfrutam de boa fama e apresentam uma conduta publicamente aceitável. Pecadores e marginalizados significam um alto investimento de energia, tempo, paciência e recursos, sem a garantia de um "retorno" rápido, além de uma expectativa muito mais modesta de sucesso.
Jesus, entretanto, mostra uma perspectiva completamente oposta. Usando a analogia médico/paciente, Jesus diz que, da mesma forma que um médico não deve esperar que seus pacientes curem-se sozinhos, para então visitá-los, o mestre não deveria esperar que as pessoas se tornassem boas e santas, para só então ministrar a elas. Jesus ainda ensina, com isso, que não Se orienta pelas convenções sociais, nem pelas aparências. O texto de Oséias 6.6 que Jesus cita como justificativa do seu comportamento mostra que a misericórdia deve antecipar os rótulos e estigmas sociais.
No final das contas, Jesus acabou por mostrar que tanto fariseus como publicanos eram pecadores e alvos da mesma misericórdia, por comeu com publicanos, mas também comeu com fariseus (Lc 7.36). A justiça própria em que se apegavam os fariseus não servia para Jesus. Auto proclamar-se justo e santo não torna, necessariamente, isso uma verdade aos olhos de Deus. Como doentes carentes do Médico, Ele é Quem nos justifica e santifica (Rm 5.1). A justiça auto atribuída não tem valor algum diante do Mestre, e frequentemente torna a pessoa exclusivista e preconceituosa. Aquele, porém, que reconhece que a misericórdia de Deus é que o resgatou e salvou, sabe também que pode resgatar e salvar qualquer outro pecador.
Mas e nós? Temos a misericórdia de Deus como base das nossas relações? Até onde julgamos fundamentados em preconceitos e rótulos sociais? Nos apegamos à uma justiça própria ou temos experimentado a misericórdia de Deus em nossas vidas?

Deus abençoe.

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