Livros de Teologia


terça-feira, 5 de julho de 2016

A unidade do Espírito

"Rogo-vos, pois, eu, o preso do Senhor, que andeis como é digno da vocação com que fostes chamados, com toda a humildade e mansidão, com longanimidade, suportando-vos uns aos outros em amor, procurando guardar a unidade do Espírito pelo vínculo da paz: há um só corpo e um só Espírito, como também fostes chamados em uma só esperança da vossa vocação; um só Senhor, uma só fé, um só batismo; um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, e por todos, e em todos" (Ef 4.1-6).

União e unidade são coisas diferentes. União é a conjunção harmônica de dois ou mais indivíduos, e é daí que vem a palavra reunião, o ajuntamento de indivíduos com alguma finalidade em comum. A unidade, entretanto, pode significar tanto a parte individual que, unida à outra, forma um todo estruturado, ou a qualidade do ser que é único e não pode ser dividido.
Em se tratando de gente, especificamente da Igreja, tanto a união quanto a unidade são mandamentos. A união é ordenada, por exemplo, nos seguintes textos: "Rogo-vos, porém, irmãos, pelo nome de nosso Senhor Jesus Cristo, que digais todos uma mesma coisa e que não haja entre vós dissensões; antes, sejais unidos, em um mesmo sentido e em um mesmo parecer" (ICo 1.10). "Todos os que criam estavam juntos e tinham tudo em comum" (At 2.44). Vemos que os cristãos devem ser unidos para viver em união, ou seja, para viver harmoniosamente juntos em comunidade. Mas o texto em epígrafe vai muito além da união dos cristãos, pois ele convoca cada cristão a guardar a unidade do Espírito pelo vínculo da paz. Essa unidade do Espírito Santo transcende a (re)união de crentes. É bastante possível que haja uma (re)união de crentes sem, contudo, haver uma unidade do Espírito. É possível que no ajuntamento dos cristãos possa até haver alguma harmonia, mas que ainda não conseguiram constituir uma unidade de pensamento e de alma.
O vínculo da paz que possibilita a unidade do Espírito é o amor: "E, sobre tudo isto, revesti-vos de amor, que é o vínculo da perfeição" (Cl 3.14). Sem amor para vincular a perfeição não haverá uma paz compartilhada, logo a unidade do Espírito se torna impossível. Faz sentido, pois o Espírito Santo é Deus, e Deus é amor (IJo 4.8, 16). Faz sentido também porque é o amor de uns pelos outros, e de cada um pelo Senhor, que nos torna e evidencia cristãos, verdadeiros discípulos de Jesus (Jo 13.35; 14.21; cf. Mt 10.37).
O apóstolo Paulo fundamenta sua ordem de guardar a unidade do Espírito mostrando a unidade fundamental da natureza corporativa da Igreja, do próprio Espírito Santo, da esperança da salvação, do senhorio de Cristo, da fé, do batismo e de Deus Pai.
Paulo diz que há um só corpo, isto é, há uma só Igreja. Neste caso, a palavra Igreja significa a Igreja em seu sentido universal e invisível, pois é a coletividade de todos os crentes, de todas as eras, de todos os lugares, inclusive os que já estão no céu e os que, porventura, ainda nem sequer nasceram. Neste sentido, só Deus conhece toda a Igreja. Paulo não está se referindo à Igreja local, aquele em um determinado lugar, composta apenas dos cristãos vivos que se reúnem para adorar a Deus, pois neste sentido há, obviamente, várias Igrejas e não uma só. Mas espiritualmente falando, há uma só Igreja, que é o corpo de Cristo na terra (ICo 10.26; 12.27; Ef 4.12).
Há também um só Espírito, obviamente, pois Deus é um só (Mc 12.32; ICo 8.6; ITm 2.5; Tg 2.19).
A esperança da nossa vocação também é uma só. A 'vocação', neste caso, não é uma referência aos dons espirituais ou às funções exercidas por cada crente na Igreja, pois estas são claramente variadas e não uma só (Rm 12.6; ICo 12.4-6). A vocação é o chamado para a salvação de que desfruta todo aquele que crê e se entrega totalmente a Jesus, e a esperança dessa vocação é uma só.
Este esperança é uma só justamente porque há um só Senhor e Salvador, que é Jesus (Jo 14.6; At 4.12; ITm 2.5). Fora de Jesus não há salvação.
Há, também, uma só fé salvadora. Aqui vemos, então, que a falácia da crendice popular de que "todos os caminhos levam a Deus" e de que "todas as religiões são boas", ou ainda de que "toda fé é uma fé aceita por Deus" é um engano infernal e destrutivo, pois há uma só fé que Deus considera, e essa fé é a fé do modo que a Bíblia a apresenta (Hb 11.1, 6). Se a fé do ser humano não é a fé correta, dirigida a Quem de direito, que é unicamente Deus na Sua Trindade Santa, então essa fé é nula.
Há também um só batismo. Do mesmo modo que a palavra Igreja pode significar seu aspecto geral, universal ou seu aspecto local e físico, a palavra batismo também é aplicada no Novo Testamento com dois significados distintos. Batismo por ser o ato representativo, fisicamente, da conversão, executado na imersão do crente em água simbolizando a morte do velho ser para uma novidade de vida (Rm 6.3-4). Mas batismo também é usado para referir-se ao milagre de receber o Espírito de Deus fazendo morada no ser humano que creu e se entregou a Jesus como Senhor e Salvador pessoal (Jo 14.23; ICo 3.16; 6.19; Ef 1.13; 2.22). É nesse sentido que há um só batismo, pois todos os cristãos verdadeiros participam desse batismo com o Espírito Santo no momento da sua conversão, mas nem todos desfrutam do mesmo batismo representativo nas águas, como o ex-ladrão que foi salvo por Jesus durante Sua crucificação (Lc 23.43).
Paulo afirma que há um só Deus e Pai, e as referências bíblicas são tantas que não consigo listar todas aqui (Dt 33.26; ISm 2.2; IISm 7.22; IRs 8.60; Is 45.5, 21-22; Jl 2.27; Mc 12.32; ICo 8.4).
O interessante é que Paulo, depois de afirmar a unidade do corpo, da salvação, do batismo e de Deus, diz que Ele é Deus sobre todos, pois a unidade não anula a individualidade na união. Deus é Deus sobre todos, por todos, e em todos. Há, portanto, uma unidade na diversidade da Igreja, e isso é espantosamente maravilhoso.
Todavia, esse unidade da Igreja fica comprometida se um ou alguns, no meio desse 'todos', começarem a 'remar para o lado contrário', crendo em doutrinas diferentes ou praticando uma fé distinta das que são do Corpo. Quando um indivíduo sai da unidade, está saindo do próprio Corpo, logo está deixando de ser Igreja, e isso é equivalente de deixar a fé. É justamente por isso que Paulo busca evitar com o texto que estudamos aqui, ordenando a unidade na união.
Jesus orou por essa unidade da Igreja (Jo 17.11, 21-22). Por isso, ainda que um indivíduo faça parte da Igreja local, se não está unido de alma e não pensa da mesma forma (Fp 2.2), não faz parte da unidade da Igreja, ainda que faça parte da reunião da Igreja, e isso é um perigo terrível.
Mas, como cristãos, somos desafiados a viver, tanto unidos, como em unidade. Pensando a mesma coisa, sentindo a mesma coisa, objetivando as mesmas coisas, mesmo na nossa individualidade e na multi-forma colorida da Igreja de Jesus Cristo. Ah, quando conseguirmos aperfeiçoar isso em amor, já pensou?

Deus abençoe.

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