Livros de Teologia


sábado, 2 de julho de 2016

Igreja e comunicação

"Alegrai-vos com os que se alegram e chorai com os que choram" (Rm 12.15).

Vivemos um tempo com esquisitices muito peculiares. A nova tecnologia tem proporcionado, ao mesmo tempo, uma riqueza inigualável de conhecimento e uma caudalosa enxurrada de ignorantismos. A tecnologia da comunicação, que cria meios de entrar em contato com pessoas, ri-se da distância geográfica como se ela não existisse; converso com alguém do outro lado do mundo pelo meu telefone celular inteligente, chamado inglesadamente de smartphone, que cabe na palma da mão, ao mesmo tempo que converso com a pessoa na outra ponta da mesa. Isso é, indubitavelmente, incrível e sensacional. Às vezes me pego pensando se Antonio Meucci, inventor do telefone, poderia imaginar até onde a evolução da sua criação seria possível...
Muito conhecimento nos chega através da tecnologia, principalmente a móvel. Este blog onde você lê esta reflexão agora, por exemplo, tem 98% de suas visitas com origem em dispositivos móveis, como celulares e tablets. Hoje em dia, qualquer garoto a quem você dirigir uma pergunta cuja resposta ele não saiba, a primeira reação dele será de "digitar no google" para encontrar a resposta, se é que a pergunta lhe despertou algum interesse, o que nem sempre acontece... A internet se tornou o oráculo do mundo pós-moderno, inclusive servindo como 'selo de garantia' da verdade: 'é verdade, eu li na internet'. Por exemplo, alguns amigos médicos já me confidenciaram que muitos pacientes entram em seus consultórios com expectativas diferentes dos pacientes de décadas atrás. Eles entram, sentam-se diante do profissional médico, e não esperam simplesmente por um diagnóstico, mas sim pela confirmação da pesquisa que fizeram na internet antes de irem para a consulta. Eles já chegam com um 'pré-diagnóstico' próprio, realizado à luz da voz da dra. internet. E ai do médico que contrarie totalmente a dra. internet... "ele não sabe de nada!", dizem meus amigos que já ouviram dentro do próprio consultório.
Este assunto, da nova tecnologia e suas implicações, é extenso e denso demais para ser tratado aqui, e confesso que não sou pessoa capacitada para tratá-lo. Mas, como um observador do fenômeno, me atrevo a lançar algumas dessas observações aqui. E o farei tentando mostrar como isso tem afetado a capacidade de comunicação das pessoas e isso tem influenciado na sua religiosidade e relação com Deus e com os irmãos na fé.
Dificuldades nos relacionamentos humanos existem desde que o homem pecou pela primeira vez, quando a relação de Adão e Eva, que era perfeita, sofreu as primeiras feridas (Gn 3). Mas nosso tempo conseguiu acentuar o problema de tal maneira que muitas vezes o problema é tão sério que dá medo. Não preciso ser sociólogo para notar isso, basta que converse (ou tente conversar, melhor dizendo) com pessoas. Como pastor numa Igreja Batista, recebo muitas pessoas para aconselhamento, e problemas de relacionamento são a maioria esmagadora dos casos. E desses casos de problemas de relacionamento, invariavelmente a dificuldade de estabelecer uma comunicação eficiente é ou faz parte da causa do problema. As pessoas sabem expressar suas emoções através de emoticons, aquelas carinhas emotivas, mas não conseguem sentar e conversar nem com quem mora debaixo do mesmo teto. Essa inaptidão relacional é venenosa para as relações pessoais. Algumas pessoas estão tão seriamente afetas por isso que simplesmente não conseguem expressar seus sentimentos pessoalmente em nenhuma circunstância, e isso as isola cada vez mais, e a bola de neve vai crescendo. Quanto mais isolado, mais distante da solução do problema.
Ser Igreja é, além de qualquer outra coisa, comunicar-se. Ser Igreja é estar com alguém, pois Igreja é, no mínimo, dois ou três indivíduos (Mt 18.20). No Novo Testamento, a expressão "uns aos outros" aparece 51 vezes[1], mostrando que ser Igreja é relacionar-se. E não é só relações humanas, pois na verdade, a vida cristã começa quando a pessoa começa a se relacionar e se comunicar com Deus. O texto bíblico que abre esta postagem expõe essa realidade da Igreja em outros termos de comunicação e relação humana: devo me alegrar com quem se alegra, e chorar com quem chora, ou seja, devo me relacionar, pessoalmente, com as pessoas. E os verbos 'chorar' e 'alegrar' são impressionantemente apropriados, pois também exigem que sentimentos sejam percebidos pelos outros, e correspondidos adequadamente. Não dá para me comunicar sem expor sentimentos, pelo menos não na Igreja!
E não é só isso. Não é só comunicar-se, mas conseguir ajudar os que chegam na Igreja sem conseguir se comunicar. Como nossa comunicação pode chegar à aquele que é inapto à comunicação pessoal? Este é um dos desafios da Igreja no nosso tempo.
Daí fica a reflexão: e você? Como vai tua comunicação? Está restrita aos meios tecnológicos eletrônicos ou você também abraça, chora, se alegra, aperta a mão, dá um sorriso, com as pessoas?
Tomemos o cuidado de preservar nossa comunicação saudável. Que Deus nos ajude a aproveitar o que a tecnologia pode oferecer, mas sem abrir mão do meio de comunicação mais eficiente que existe: olhar nos olhos de alguém e tocá-lo.

Deus abençoe.
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[1] Isso na ARA (Almeida Revista e Atualizada). Na ARC (Almeida Revista e Corrigida) aparece 55 vezes. Na NVI (Nova Versão Internacional) 56 vezes. Na Tradução Brasileira 53 vezes. E na NTLH (Nova Tradução na Linguagem de Hoje) 68 vezes.

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