Livros de Teologia


sexta-feira, 22 de julho de 2016

Jesus e Maria: Mulher, que tenho eu contigo?

"Três dias depois, houve um casamento em Caná da Galileia, achando-se ali a mãe de Jesus. Jesus também foi convidado, com os seus discípulos, para o casamento. Tendo acabado o vinho, a mãe de Jesus lhe disse: Eles não têm mais vinho. Mas Jesus lhe disse: Mulher, que tenho eu contigo? Ainda não é chegada a minha hora. Então, ela falou aos serventes: Fazei tudo o que ele vos disser. Estavam ali seis talhas de pedra, que os judeus usavam para as purificações, e cada uma levava duas ou três metretas. Jesus lhes disse: Enchei de água as talhas. E eles as encheram totalmente. Então, lhes determinou: Tirai agora e levai ao mestre-sala. Eles o fizeram. Tendo o mestre-sala provado a água transformada em vinho (não sabendo donde viera, se bem que o sabiam os serventes que haviam tirado a água), chamou o noivo e lhe disse: Todos costumam pôr primeiro o bom vinho e, quando já beberam fartamente, servem o inferior; tu, porém, guardaste o bom vinho até agora. Com este, deu Jesus princípio a seus sinais em Caná da Galileia; manifestou a sua glória, e os seus discípulos creram nele. Depois disto, desceu ele para Cafarnaum, com sua mãe, seus irmãos e seus discípulos; e ficaram ali não muitos dias" (Jo 2.1-12).

A resposta aparentemente rude de Jesus
À primeira vista esta passagem da Escritura parece expor Jesus como alguém capaz de dar uma resposta à sua própria mãe com uma rudeza ímpar. Quando Maria O procura para informar o problema que ameaçava a celebração, o fim do vinho, a resposta que Jesus lhe dá parece destoar completamente da serenidade e doçura normalmente observadas no Cristo dos Evangelhos. Mas, afinal, o que Jesus quis dizer com aquela resposta?
A resposta de Jesus foi: "Mulher, que tenho eu contigo? Ainda não é chegada a minha hora". Vamos analisá-la por partes.
O termo que Jesus usou para se dirigir a Maria, "mulher" (grego "gunai"), parece indicar um tom  estranho, quase pejorativo, mas na verdade não é. Foi esta mesma palavra que Jesus usou para se dirigir a Maria da cruz ao entrega-la aos cuidados de João (Jo 19.26). Homero também utilizou a mesma palavra ao escrever sobre Odisseu dirigindo-se à Penélope, sua amada esposa. Também há registros de que Augusto usou o mesmo termo para dirigir-se à Cleópatra, célebre rainha egípcia, o que mostra que a palavra poderia ser usada com tom extremamente respeitoso. Na nossa língua portuguesa não temos um termo que traduza, com essa riqueza de intenção, o termo grego. O que se aproxima disso, respeitando a mesma cortesia, seria "senhora". Portanto, Jesus não foi desrespeitoso com a mãe, e não poderia sê-lo.
A expressão "que tenho eu contigo?" também era muito comum à época. O detalhe é que o registro gráfico do Evangelho não traz consigo o tom com que a expressão foi falada de viva voz por Jesus, e isso dificulta a interpretação. Isso porque essa expressão dependia do tom de voz usado ao proferi-la para se compreender a intenção daquele que a falava. Quando era dita com brutalidade e aspereza significava repreensão, desacordo, incompatibilidade. Mas quando falada com mansidão significa ao muito parecido com uma expressão popular que usamos no Brasil, a "deixa comigo", ou "deixa que eu resolvo", que significa "estou assumindo a responsabilidade" por algo. Essa idiossincrasia da Palestina da época de Jesus nubla um tanto a interpretação da Sua intenção ao responder à mãe. Porém, cientes das possibilidades do significado cultural da expressão, podemos fazer uma leitura mais coerente da resposta do Filho à Maria. O que Jesus quis dizer foi algo como "Senhora, pode deixar comigo que eu resolvo o problema. Não se preocupe".
A última parte da resposta de Jesus, "ainda não é chegada a minha hora", são tão importantes para a boa interpretação da cena e do significado da resposta de Jesus quanto a primeira parte. Ao que esta parte parece indicar, Maria fez a coisa certa ao procurar Jesus para resolver o problema do fim do vinho, mas tudo indica que ela não se deteve a pedir que resolvesse o problema, mas deve ter agido, naturalmente, como a mãe que ordena ao filho o que fazer em alguma situação. Porém, Maria não estava pedindo que Jesus agisse como "seu filho", mas como o Filho de Deus, para resolver o problema. Enquanto ela apelasse a Ele como seu filho humano, que dela nascera, Jesus sempre mostrou-se obediente em tudo (cf. Lc 2.51). Mas, quando Maria quis dirigir as ações de Jesus não como homem, mas como Messias, Jesus lembra-lhe com "ainda não é chegada a minha hora" que o Cristo não deve, nem pode, ser governado pelos desejos humanos, mesmo quando são fundados em necessidades verdadeiras e lícitas. Como "filho", Jesus lhe era submisso; mas como "Filho do Homem", era submisso apenas à vontade do Pai celeste (cf. Jo 5.43; 10.18; 10.25; 10.30; 15.15).
Desde modo podemos, humildemente, interpretar a resposta de Jesus parafraseando-a da seguinte forma: "Senhora, pode deixar que eu resolvo o problema, mas eu o farei conforme a vontade do meu Pai, e não a minha ou de outra pessoa, pois a minha hora é determinada por Ele, e só por Ele". Pelo menos, é como eu entendo a resposta de Jesus.

A lição que aprendemos
O que podemos aprender com essa interpretação da resposta de Jesus? No final das contas, é isso o que importa aqui. João registrou o episódio fazendo questão de incluir a resposta de Jesus, e se o fez há lições que podemos aprender.
Duas lições são aprendidas na resposta de Jesus: 1) Cristo está sempre pronto para ouvir a súplica daqueles que a Ele se achegam com fé. Ele estará sempre pronto para intervir poderosamente nos problemas humanos. 2) Jamais devemos tentar pressioná-Lo, pois Ele é Deus! Se Ele está sempre pronto para intervir nos problemas humanos, Ele o fará conforme o julgamento da Sua própria Onisciência e Sabedoria, no tempo que Ele determinar. Temos a liberdade, pela fé, de rogar-Lhe, de suplicar-Lhe algo, mas nunca de impor-Lhe qualquer coisa. Não podemos determinar-Lhe o tempo, o modo ou qualquer outro aspecto do Seu agir. Só podemos invocá-Lo, e esperar confiantes de que Ele sempre age da melhor maneira, no melhor tempo. Isso é fé!

Que Deus nos ajude absorver estas lições, e as escrever nas tábuas do coração.

Deus abençoe.

* Essa reflexão faz parte de uma série baeada no mesmo texto bíblico. Leia as outras:

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