Livros de Teologia


terça-feira, 3 de maio de 2016

Somos mais que vencedores...

Um dos textos mais lembrados, citados, invocados e decorados pelos evangélicos é o de Rm 8.37: "Em todas estas coisas, porém, somos mais que vencedores, por meio daquele que nos amou" (grifo nosso). É comum ver alguém usando o texto, principalmente a parte destacada, quando está com problemas ou falando com alguém que tem problemas.
É um bom hábito decorarmos e citarmos trechos bíblicos para aqueles que estão com o coração atribulado. A Palavra de Deus certamente é um bálsamo para o coração aflito e geradora de esperança para o abatido. Ela conforta os corações e revigora a alma (Sl 119.50, 76, 82).

O real sentido do texto
Ainda que seja um hábito excelente aconselhar e confortar com textos bíblicos, o que acontece muitas vezes, por motivos variados, é que os trechos são arrancados do seu contexto e mal aplicados, e Rm 8.37 por vezes é alvo deste erro, e é fácil entender o porquê disso acontecer. O texto fala de vitória, de sobrepujar problemas e dificuldades, daí sua popularidade entre as pessoas. Mas o contexto imediato do verso 37 começa no verso 31 e vai até o verso 39, compondo um dos mais belos textos escritos na história, chamado de "cântico de vitória" escrito pelo apóstolo Paulo. No contexto vemos que o trecho tem a intenção de confortar os cristãos romanos que passavam por grandes perseguições e tribulações, confira: "Porque para mim tenho por certo que os sofrimentos do tempo presente não podem ser comparados com a glória a ser revelada em nós" (Rm 8.18). "Sabemos que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito" (Rm 8.28). E principalmente o trecho que nos importa mais aqui: "Quem intentará acusação contra os eleitos de Deus? É Deus quem os justifica. Quem os condenará? É Cristo Jesus quem morreu ou, antes, ressuscitou, o qual está à direita de Deus e também intercede por nós. Quem nos separará do amor de Cristo? Será tribulação, ou angústia, ou perseguição, ou fome, ou nudez, ou perigo, ou espada? Como está escrito: 'Por amor de ti, somos entregues à morte o dia todo, fomos considerados como ovelhas para o matadouro. Em todas estas coisas, porém, somos mais que vencedores, por meio daquele que nos amou" (Rm 8.33-37).

Quero chamar sua atenção para o fato de que o apóstolo declara a promessa de sermos mais que vencedores num contexto de testemunhar o Evangelho aos não cristãos, ou seja, quando a tribulação e perseguição vierem, produzindo escassez de recursos e bem-estar de qualquer tipo, vocês conseguirão suportar sem ceder, pois são mais que vencedores naquele que vos amou, Jesus Cristo! O problema é quando o texto é invocado em situações de problemas e escassez que sobrevieram não por causa do testemunho fiel do Evangelho, mas justamente o inverso, quando a escassez é efeito da displicência e negligência. Um exemplo é quando os problemas financeiros vêm, não porque fomos honestos por amor a Cristo, mas porque cedemos ao consumismo hedonista desse mundo. Neste caso, não "fomos entregues à morte" por amor de Jesus, mas por amor aos bens. Será que Deus vai "garantir" a vitória sobre o problema só porque existe um versículo que diz que somos mais que vencedores na Bíblia? Eu creio que não. Ele está garantindo a vitória para todo aquele que, sofrendo por amor do Seu nome e da mensagem do Evangelho, bem como pelos efeitos desse Evangelho no caráter do homem, ou seja, por sermos honestos, por sermos gentis e cordiais, por anunciarmos as boas novas aos perdidos, por nos importarmos com a justiça social, etc., aí sim, Ele garante a vitória! Mas quando estou só colhendo os amargos frutos das sementes do pecado, não, Ele não prometeu vitória.

A esperança na graça e misericórdia de Deus
Isso não significa que não há esperança para aquele que enrascou-se com o pecado, seja de que tipo for. Só significa que este texto de Rm 8.37 não é o mais apropriado para a situação. Todo aquele que se arrepende dos pecados, buscando abandona-los, e confessando-os a Deus alcançará misericórdia (Pv 28.13). Se o atribulado começar a andar na luz, como Jesus é luz, mantendo comunhão com os irmãos na fé,  a promessa é que o sacrifício de Jesus na cruz o purificará de todo pecado e estará perdoado (IJo 1.7, 9). No entanto, o texto de Rm 8.37 aplica-se quando a tribulação acontecer por causa de Jesus. Na verdade, nesse caso ela é motivo de regozijo e exultação, confira: "Bem-aventurados sois quando, por minha causa, vos injuriarem, e vos perseguirem, e, mentindo, disserem todo mal contra vós. Regozijai-vos e exultai, porque é grande o vosso galardão nos céus; pois assim perseguiram aos profetas que vieram antes de vós" (Mt 5.11-12). Estas foram palavras do próprio Jesus. O apóstolo Pedro entendeu bem, veja: "pelo contrário, alegrai-vos na medida em que sois co-participantes dos sofrimentos de Cristo, para que também, na revelação de sua glória, vos alegreis exultando. Se, pelo nome de Cristo, sois injuriados, bem-aventurados sois, porque sobre vós repousa o Espírito da glória e de Deus" (IPe 4.13-14). Os apóstolos de Jesus praticaram isso: "E eles se retiraram do Sinédrio regozijando-se por terem sido considerados dignos de sofrer afrontas por esse Nome" (At 5.41). Esta é a vitória que Paulo está cantando em Rm 8.37, aquela que nos leva a suportar a tribulação, a fome, a escassez, o perigo, a espada (morte), por amor do Nome de Jesus e Seu Evangelho!

Que Deus nos abençoe e nos dê a vitória sobre as tribulações.

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