Livros de Teologia


sexta-feira, 27 de maio de 2016

Só a verdade liberta!

Vivemos o tempo de uma sociedade imagética. O visual, a imagem, é super valorizada, e a estética muitas vezes suplanta a ética, como se as duas pudessem, de algum modo, existirem separadas. Pessoas, fatos, ideias e ideologias, conceitos e pré-conceitos, doutrinas, grupos sociais, filosofias, tudo é julgado sobre a pedra-de-toque da estética. Quero dizer com isso que a leitura que se faz das coisas tem sido superficial, epidérmica demais. Pouca preocupação e esforço são dedicados ao exame mais profundo das motivações, valores e moral por detrás do que os olhos veem. Aquilo que se pode ver ou ouvir conta com uma simpatia maior do que o que é intangível, invisível, conceitual.
Esse é um assunto por demais extenso para tratar aqui, mas quero me ater a apresentar um dos pais dessa sociedade imagética, o utilitarismo, que é uma concepção ética da filosofia liberal do séc. XIX que considera a boa ação ou a boa regra de conduta caracterizáveis pela utilidade e pelo prazer que podem proporcionar a um indivíduo e, em extensão, à coletividade. O utilitarismo acaba sendo uma variação de hedonismo, onde o prazer é o valor maior e o objetivo da existência. Mas, se o utilitarismo é um dos pais da sociedade imagética, o outro é o pragmatismo, ensinando que a validade de algo deve ser determinada pelo seu êxito prático.
Quando tudo isso é aplicado à religiosidade, liturgia e doutrina evangélica a mistura é muito perigosa. O valor de uma doutrina ou de uma prática é medido pelo "funciona ou não funciona". Se o resultado é aparentemente útil, dá algum prazer, e obtêm-se êxito, então "é de Deus". E isso não é de hoje, pois lá no Éden já houve alguém julgando pelo "assim funciona" e, sob a concupiscência dos olhos, julgando pela estética, abandonou a ética e a verdade e maculou a relação com o Criador (Gn 3.6).
O problema é a confusão notável que se observa entre a verdade e a praticidade, inclusive nas questões evangélicas. Qual o modo mais fácil de encher uma Igreja? Qual o melhor tipo de culto? Onde devemos investir o dinheiro dos dízimos? As respostas para essas e outras perguntas serão respondidas, na esmagadora maioria das vezes, não pela verdade, mas pela praticidade, pelo "assim funciona". Eu sei que esse iceberg que estou arranhando aqui é muito maior debaixo d'água, e carece de muita discussão para uma análise mais precisa de tudo isso, mas quero conduzir você a pensar comigo em dois textos bíblicos.
O primeiro está em Jo 10.40-42, que diz: "Novamente, [Jesus] se retirou para além do Jordão, para o lugar onde João batizava no princípio; e ali permaneceu. E iam muitos ter com ele e diziam: Realmente, João não fez nenhum sinal, porém tudo quanto disse a respeito deste era verdade. E muitos ali creram nele". O segundo texto que desejo que você reflita é Mt 7.21-23, onde lemos: "Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus. Muitos, naquele dia, hão de dizer-me: Senhor, Senhor! Porventura, não temos nós profetizado em teu nome, e em teu nome não expelimos demônios, e em teu nome não fizemos muitos milagres? Então, lhes direi explicitamente: nunca vos conheci. Apartai-vos de mim, os que praticais a iniquidade".
Observe que no texto do apóstolo João lemos que João Batista não fez sinal algum, porém tudo quanto disse a respeito de Jesus era verdade. No texto do apóstolo Mateus vemos que muitos dos que fizeram muitos sinais não basearam-se na verdade, e Jesus só pode reconhecer o que é verdadeiro. Jesus não é utilitarista, como se pensasse: "Ah, o que vocês fizeram foi fora da verdade, mas no final das contas, funcionou né". Não! Para Jesus, os resultados, a estética, a forma das coisas, não tem valor maior do que a verdade. A verdade, para Jesus, é o maior valor, pois Ele não pode ir contra a verdade, porque é a própria Verdade (Jo 14.6; 17.17; IICo 13.8). Nas coisas de Deus vale mais a
verdade sem sinais do que sinais sem verdade. Vale mais ensinar a verdade do que milagres, pois é a verdade que liberta o homem (Jo 8.32, 36). Alguém pode ser curado, e ainda assim permanecer cativo. Alguém pode também continuar doente, mas ser liberto. Pergunto: qual seria melhor? A verdade é maior do que os sinais! Até o termo avivamento tem sido mais ligado aos sinais do que à verdade. Avivamento verdadeiro é quando a verdade torna-se o bem maior da Igreja, e não simplesmente a presença de sinais.
Eu não estou fazendo apologia a um cristianismo sem prática, pois o próprio texto de Mateus diz que entra no céu aquele que faz a vontade do Pai. Sem prática não há cristianismo. Tiago ensinou que a fé, ainda que ortodoxa, sem obras é morta (Tg 2.26). Estou fazendo apologia da verdade. A verdade deve fundamentar toda escolha, julgamento, método, prática, estratégia, objetivo, liturgia, absolutamente tudo. Se não é pela verdade, não é por Deus. Não devemos escolher pela aparência, julgar pela estética ou pelo politicamente correto, mas pela verdade, e essa verdade é Jesus e Sua Palavra (Jo 14.6, 17.17). Quando nos atemos à verdade, como João Batista o fez, obteremos os resultados santos que Deus mesmo nos dará, pois a verdade pregada por João resultou em que muitos creram nele [em Jesus]; enquanto a multidão de sinais feitas pelos que diziam Senhor, Senhor, rendeu apenas a perdição eterna para eles mesmos.
Que a verdade seja nosso fundamento, nosso objetivo, nossa pedra-de-toque. Que a verdade seja nossa mensagem, nossa luz, nosso norte. Que a verdade seja o árbitro do nosso coração, da nossa mente, das nossas escolhas. Que a verdade seja, enfim, a estética e a ética da nossa vida.

"As pessoas costumam amar a verdade quando esta as ilumina, porém tendem a odiá-la quando as confrontam" Agostinho
"Muitos homens odeiam a verdade, por amor daquilo que tornaram por verdadeiro" Agostinho
"Qualquer ensinamento que não se enquadre nas Escrituras deve ser rejeitado, mesmo que faça chover milagres todos os dias" Martinho Lutero
"Os homens, para serem verdadeiramente ganhos, precisam ser ganhos pela verdade" Charles H. Spurgeon

Deus abençoe.

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