"E, orando, disseram: Tu, SENHOR, que conheces o coração de todos, revela-nos qual destes dois tens escolhido para preencher a vaga neste ministério e apostolado, do qual Judas se transviou, indo para o seu próprio lugar. E os lançaram em sortes, vindo a sorte recair sobre Matias, sendo-lhe, então, votado lugar com os onze apóstolos" (At 1.24-26)
Ninguém que conhece quem foi o apóstolo Pedro discute sobre quão abençoado e abençoador foi este santo homem de Deus. É inquestionável seu caráter provado, sua fé sempre crescente, suas declarações de fé surpreendentes. Todavia, nessa ocasião que Lucas relata no livro de Atos dos Apóstolos, quando Pedro dá a iniciativa no processo de escolha do possível sucessor que preencheria a vaga deixada por Judas Iscariotes, podemos perceber algumas decisões precipitadas e ainda moldadas pelo entendimento judeu do Antigo Testamento. Vejamos:
Pedro percebe, acertadamente, que a lacuna que Judas deixou deveria ser preenchida, baseando corretamente sua fala em Sl 69.25 e 109.8. Então Pedro destaca os critérios que deveria satisfazer aqueles que seriam aptos candidatos ao ministério apostólico: deveriam ser homens que foram testemunhas oculares do ministério de Jesus, desde seu batismo realizado por João Batista até Sua assunção, e ser testemunha da ressurreição de Jesus, tendo-O visto ressurreto (vs. 15-22).
O grupo dos discípulos então lançam dois nomes como candidatos, José, chamado Justo, e Matias. Não há como questionar que estes dois homens eram crentes piedosos, fiéis desde o início do ministério de Jesus, e que contavam com a aprovação dos que já eram apóstolos, pois a sugestão dos seus nomes foi prontamente recebida e aceita pelo colegiado apostólico. Entretanto, o procedimento de Pedro em seguida é questionável. Diz o verso 24 que "orando, disseram: Tu, Senhor, que conheces o coração de todos, revela-nos qual destes dois tens escolhido". Ora, perceba que Pedro ora dizendo que Deus conhece o coração de "todos", mas pede para Deus escolher dentre "os dois". Ao que me parece, Pedro pediu que Deus escolhesse dentro da escolha que eles mesmos já haviam feito. É como alguém que ora a Deus dizendo: "Senhor, tu és livre para escolher, desde que seja uma das opções que eu mesmo já escolhi de antemão". Isso é, ainda que inconscientemente, uma tentativa de limitar Deus a escolher só dentro do que me agrada, como um jovem que ora para Deus abençoa-lo com um cônjuge, pois deseja casar-se, mas oferece a Deus dois nomes "aceitáveis". Se Deus escolher alguém que não seja um destes dois nomes, o jovem simplesmente entenderia ou que Deus "não respondeu a oração", ou que "ele não ouviu a resposta ainda". Muitas vezes nossas orações são ingênuas tentativas de convencer Deus de que temos razão e que Ele vai se dar muito bem se confiar em nós, e isso não é oração bíblica. Oração bíblica é pedir a Deus que revele Sua boa, perfeita e agradável vontade, junto com a convicção e força necessárias para aceitá-la prontamente, mesmo que ela contrarie minhas expectativas e desejos; é preciso uma fé muito mais madura para orar assim do que do jeito do primeiro exemplo.
Outra coisa estranha que Pedro faz é que, logo após orarem, ele lança sortes para receber a "resposta" de Deus à oração. É sabido que, durante o tempo do Antigo Testamento, este tipo de recurso primitivo foi usado por Deus para revelar Sua vontade em alguns casos específicos, mas só porque o Espírito Santo ainda não habitava permanentemente nos crentes. Pedro tenta tomar uma decisão de escolha de liderança para a Igreja do Novo Testamento com o método do Antigo Testamento, antes do Espírito Santo ser derramado permanentemente, o que ocorreria logo em seguida durante a festa do Pentecoste. Parece-me que Pedro foi precipitado e ansioso, pois deveria ter esperado um pouco mais para que o Espírito Santo conduzisse o processo de escolha da liderança apostólica, como o fez de fato na escolha de Paulo, leia At 9.1-6 e verá que Quem escolheu Paulo para o apostolado foi o próprio Jesus, e tem mais: "Havia na igreja de Antioquia profetas e mestres: Barnabé, Simeão, por sobrenome Níger, Lúcio de Cirene, Manaém, colaço de Herodes, o tetrarca, e Saulo. E, servindo eles ao Senhor e jejuando, disse o Espírito Santo: Separai-me, agora, Barnabé e Saulo para a obra a que os tenho chamado. Então, jejuando, e orando, e impondo sobre eles as mãos, os despediram" (At 13.1-3). Foi o Espírito Santo Quem escolheu Paulo e Barnabé para o ministério missionário, e a Igreja só precisou orar e servir, e não lançar sortes.
Isso não significa que há demérito no ministério de Pedro, mas que talvez ainda não fosse tão maduro ainda sobre o guiar do Espírito na Igreja recém-nascida.
E nós? Quando precisar fazer escolhas e tomar decisões, como fazemos? Oramos a Deus aguardando pacientemente Sua direção ou "lançamos sortes" para "reconhecer Sua vontade"? Quando oramos, estamos prontos para ouvir a vontade de Deus, seja qual for, e nos submetermos a ela, ou estamos prontos para expor para Deus a escolha que já fizemos dentro do nosso coração, buscando apenas Sua aprovação, sem dar espaço para que Ele a contrarie? Pensemos nessas coisas, pois farão toda a diferença na nossa vida de oração.
Deus abençoe.
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