Livros de Teologia


segunda-feira, 6 de junho de 2016

Deus não é homem

"Deus não é homem, para que minta; nem filho de homem, para que se arrependa. Porventura, tendo ele prometido, não o fará? Ou, tendo falado, não o cumprirá?" (Nm 23.19)

Uma das informações mais preciosas da Bíblia a respeito de Deus é lida neste pequeno verso incrustado no livro de Números. Temos aqui a revelação de que Deus não é homem. Sim, simplesmente Deus não é homem, e isso faz toda a diferença!
Abrindo um parêntese, diga-se de passagem que o termo "homem" aqui é referência à raça humana, e não ao gênero masculino. A intenção de Moisés ao escrever foi deixar claro que Deus não é humano; ao dizer "Deus não é homem" não quis dizer que "Deus é mulher", mas apenas esclarecer a distinção de Deus, o Criador, e dos homens, criaturas.
Deus não é um ser humano, como muitos gostariam que fosse. Creio que muitos gostariam que Deus fosse humano porque acreditam que assim seria mais fácil identificarem-se e encontrar uma conexão com o divino, com o transcendente. Talvez um homem-deus é mais facilmente compreendido e compreenda melhor nossa condição, sei lá. Mas creio também que a maioria dos que creem no homem-deus são impulsionados pelo anseio de perceber algo divino em si mesmos, o que geralmente é um desdobramento dessa crença, ou seja, acreditando que deus é homem tendem a crer que o homem também é deus, de algum modo, em algum grau. Esse é um ensino, por exemplo, das religiões exotéricas da Nova Era.
Mas a Bíblia afirma categoricamente, Deus não é homem. Moisés exemplifica a abismal distinção dizendo que Deus não pratica nem sente duas coisas próprias dos seres humanos: mentir e se arrepender. Mentir não é um imperativo irresistível à natureza humana, mas tenho muita dificuldade em crer que já houve algum ser humano que nunca mentiu de forma alguma. Arrepender-se significa, aqui, o pesar lamentoso por algo feito, pensado ou sentido algo diferente do que era devido ou diferente da melhor possibilidade, e Deus jamais se arrepende. Nos textos bíblicos que se diz "Deus se arrependeu" disso ou daquilo outro não significam, necessariamente, que Deus se arrependa como o homem. Nestes casos, os autores bíblicos fizeram uso de uma linguagem antropopática[1] para exprimir algo sobre Deus. A segunda parte do verso joga ainda mais luz no entendimento da primeira. Quando se diz que Deus não homem para que minta, nem filho do homem para que se arrependa, as perguntas que se faz, então, são: "tendo prometido, não o fará? Tendo falado, não o cumprirá?", que mostram o sentido de "mentir" e se "arrepender" na mente do autor desse verso. Mentir e se arrepender em Nm 23.19 significam prometer algo e depois mudar de ideia, falar que fará algo e não conseguir cumprir com a palavra empenhada. Deus jamais é assim. Sempre que promete cumpre, tudo o que fala tem a força e a autoridade para cumprir.
Enfim, Deus não é homem. Ele está acima dos homens, além deles. Os homens devem-Lhe adoração e satisfação, não o contrário. Os homens devem-Lhe gratidão e reverência, não o contrário. Deus não é homem, Deus é Deus! E como Deus, Deus pode exigir o que um Deus tem direito: a adoração e subserviência de Sua criação.
Eu não sou Deus. Você não é Deus. Deus não é você. Deus não sou eu. Deus é Deus, eu sou eu, você é você...
Mas, apesar de Deus não ser homem, Ele se fez carne, ou seja, assumiu a forma humana na encarnação de Jesus no ventre de Maria. Sim, veja o que escreveu o apóstolo João: "E o verbo [Jesus] se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai" (Jo 1.14). Jesus, que é Deus, esvaziou-se da glória divina e se fez homem, sem deixar Sua natureza divina. Um ser 100% Deus, mas agora também 100% homem. Este é o maior milagre da existência! Jamais se viu algo semelhante. O Criador assumiu a forma da criatura, humilhou-se a esse ponto! Tudo por amor do Seu próprio Nome e por amor do homem, criado à Sua imagem e semelhança, para salvá-lo da condição e dos efeitos do pecado. Leia com calma Fp 2.5-11; ITm 2.5. É por isso, por ser agora 100% Deus e 100% homem, que o Deus Filho, Jesus, tornou-se o sumo-sacerdote perfeito para todo aquele que Nele crê (Hb 2.17-18; 4.15; 13.12). Pensando nesse milagre incrível foi que Galilleu Gallilei escreveu: "Todo homem quer ser rei; todo rei quer ser deus; mas só Deus quis ser homem" e resumiu tudo.
Ah, que verdade preciosa! Deus não é homem, mas sabe tudo sobre os homens. Ele não é homem, mas, no Filho, foi em tudo tentado, mas não pecou. Ele não é homem, mas em Cristo Jesus conhece todas as nossas dores e sofrimentos, e nos socorre.
Que essa verdade nos console, nos apascente, nos conduza a adorá-Lo em gratidão e reconhecimento.

Deus abençoe.
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[1] Linguagem antropopática é quando o autor bíblico atribui a Deus sentimentos que são próprios da natureza humana, na falta de termos adequados para descrever sentimentos tão sublimes e distantes, próprios da natureza divina, que a linguagem humana é insuficiente para descrever. Faz-se necessário, então, apelar para uma linguagem inteligível, que é a dos humanos.
* A gravura que ilustra esta postagem é o afresco "A Criação", de Michelangelo, pintado entre 1508 e 1512 no teto da Capela Sistina, no Vaticano.

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