"Quando eles se aproximaram dos discípulos, viram numerosa multidão ao redor e que os escribas discutiam com eles. E logo toda a multidão, ao ver Jesus, tomada de surpresa, correu para ele e o saudava. Então, ele interpelou os escribas: Que é que discutíeis com eles? E um, dentre a multidão, respondeu: Mestre, trouxe-te o meu filho, possesso de um espírito mudo; e este, onde quer que o apanha, lança-o por terra, e ele espuma, rilha os dentes e vai definhando. Roguei a teus discípulos que o expelissem, e eles não puderam. Então, Jesus lhes disse: Ó geração incrédula, até quando estarei convosco? Até quando vos sofrerei? Trazei-mo. E trouxeram-lho; quando ele viu a Jesus, o espírito imediatamente o agitou com violência, e, caindo ele por terra, revolvia-se espumando. Perguntou Jesus ao pai do menino: Há quanto tempo isto lhe sucede? Desde a infância, respondeu; e muitas vezes o tem lançado no fogo e na água, para o matar; mas, se tu podes alguma coisa, tem compaixão de nós e ajuda-nos. Ao que lhe respondeu Jesus: Se podes! Tudo é possível ao que crê. E imediatamente o pai do menino exclamou com lágrimas: Eu creio! Ajuda-me na minha falta de fé! Vendo Jesus que a multidão concorria, repreendeu o espírito imundo, dizendo-lhe: Espírito mudo e surdo, eu te ordeno: Sai deste jovem e nunca mais tornes a ele. E ele, clamando e agitando-o muito, saiu, deixando-o como se estivesse morto, a ponto de muitos dizerem: Morreu. Mas Jesus, tomando-o pela mão, o ergueu, e ele se levantou" (Mc 9.14-27)
Este episódio registrado pelo evangelista Marcos narra a libertação de Jesus operou na vida de um menino, e por extensão na vida de uma família, que sofria com as investidas de um demônio já há alguns anos. Um pai sofredor observara seu filhinho amado ser vítima dos ataques furiosos de um demônio desde a infância; não há no texto a idade do menino, mas a expressão "desde a infância" leva-nos a crer que alguns anos se contavam com o problema presente.
O pai do menino chamou o demônio de "espírito mudo" (vs. 17), enquanto Jesus se referiu a ele como "espírito mudo e surdo" (vs. 25), e o narrador, Marcos, o chama simplesmente "o espírito" (vs. 20) e "espírito imundo" (vs. 25). De qualquer maneira, é certo de que se tratava de um demônio, um espírito maligno.
A falta de fé
O pai trouxera o filho até os discípulos de Jesus com a expectativa de que pudessem socorrê-los, mas eles não puderam expelir o espírito (vs. 18). Jesus, ao ser informado do fracasso dos discípulos, aponta a incredulidade como a causa do fiasco, dirigindo-se à multidão em geral como "geração incrédula" (vs. 19). Ainda que seja provável que houvesse na multidão aqueles que não criam em Jesus, no caso dos Seus discípulos essa incredulidade não era falta de confiança em Jesus e em Seu poder, pois este já havia sido provado diversas vezes diante de seus olhos, mas falta de fé para agirem quando este Jesus estivesse fisicamente ausente, dependendo apenas de fé na autoridade que o próprio Jesus lhes havia outorgado (cf. 3.14-15).
Tudo é possível ao que crê
Jesus demonstra compaixão e interesse pelos aflitos ao indagar sobre a duração do problema na vida do menino (vs. 21). O pai, ao responder e descrever o tormento vivido, deixa transparente o seu último fiapo de esperança em resolver o problema do filho, dizendo a Jesus: "... mas, se tu podes alguma coisa, tem compaixão de nós e ajuda-nos" (vs. 22). Diante do fracasso dos discípulo de Jesus o homem apresentou dificuldade em crer que o Mestre deles pudesse fazer algo além do que os próprios discípulos que O seguiam. Todavia, lá no fundo ainda havia aquela última brasinha brilhando no meio de toda aquela cinza que havia se tornado a fé daquele homem. Sua esperança estava por um fio; era seu último fôlego.
A resposta de Jesus vem sem titubear, repetindo inclusive as palavras do pai "se podes!" (vs. 23), como que convocando aquele pai a crer. Jesus também parece ser um tanto irônico ao repetir as palavras do pai, como se esse "se tu podes" do pai mostrasse que ele via Jesus como um mestre qualquer, sujeito a falhar e faltar com a fé como Seus discípulos; mas Jesus acrescenta: "tudo é possível ao que crê" (vs. 23). Com isso Jesus está chamando seus ouvintes a crer em Deus e na Sua bondade e poder, mas também deixando claro que Ele sempre crê e por isso mesmo tudo lhe é possível.
Quando Jesus ensina que "tudo é possível ao que crê" não está ensinando que, com fé, podemos fazer o que quisermos, mas que aquele que crê não atribui limites ao poder e bondade de Deus. A fé não é uma autorização para fazermos nossa própria vontade, mas justamente a força de submetê-la à vontade de Deus crendo, sem reservas, que a vontade Dele é que é boa, perfeita e agradável (cf. Rm 12.2).
A humilde e pequena fé
Diante do apelo de Jesus para que a "geração incrédula" passasse a crer, o pai do menino responde favoravelmente com um sonoro "Eu creio!" (vs. 24). Ele foi inspirado pela fé de Jesus e compreendeu a distinção entre o Mestre e Seus discípulos, passando então a crer que Jesus era Quem realmente podia salvar ele próprio e seu filhinho atormentado. Não obstante, o pai emenda à sua declaração de fé uma confissão em forma de súplica, dizendo: "Ajuda-me na minha falta de fé!". Ele assume que crê, mas confessa que falta-lhe fé. Como pode ser isto? O que o pai está dizendo, em outras palavras, é que agora ele crê que Jesus é Quem diz ser, Aquele que pode salvá-lo e a seu filhinho, mas que ele próprio está como um dos Seus discípulos, que também faltaram com a fé. O pai se coloca humildemente no grupo dos discípulos de Jesus, inclusive admitindo que falta-lhe ainda a fé ousada e experimentada, alvo de todo cristão. Ele reconhece que crê em Jesus, mas também reconhece sua necessidade de ajuda para crer.
Bom, de tudo o que falamos o que fica é o seguinte: Deus deseja que os homens creiam Nele, em Sua bondade e poder. A incredulidade não impõe limites a Deus, mas nos priva de sermos usados por Ele; ela não atrofia o braço forte do Senhor, mas atrofia nossa capacidade de recebermos e reconhecermos Sua graça e poder. Também aprendemos que Deus não conhece limites, e a fé deve lembrar-nos sempre disso. A honestidade espiritual e a humildade de reconhecermos que nossa fé pode ser real e verdadeira, mas que ao mesmo tempo pode ser frágil e débil, faz bem. É uma virtude viver a fé cristã com humildade, reconhecendo nossa própria limitação. Entretanto, precisamos experimentar e desenvolver essa fé, pois essa é a vontade de Deus para nós.
E você? Como vai tua fé?
Deus abençoe.
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